Ela morava em Sarepta, uma importante e rica cidade dos fenícios. Na época, a região de Sarepta estava passando por uma série crise por causa de uma longa estiagem. Os mais atingidos eram, também nessa época, as pessoas mais pobres. Dentre estes pobres estava uma viúva, cujo nome não foi preservado pela tradição. Geralmente a história é ingrata e não preserva os nomes de pessoas que não são importantes, ainda mais quando se trata de mulheres, em especial, viúvas. O texto bíblico de 1 Reis 17.8-16 somente afirma que esta viúva tinha um filho, certamente ainda dependente da mãe, e que os suprimentos da família estavam no fim. Havia comida para uma última refeição. A própria viúva descreve a situação da seguinte forma: “Há somente um punhado de farinha numa panela e um pouco de azeite numa botija; eis que apanhei, agora, dois cavacos e vou preparar esse resto de comida para mim e meu filho; comê-lo-emos e morreremos” (1 Reis 17.12). Tão simples assim: a mãe está disposta a fazer a última refeição para si e seu filho para, então, esperar a morte chegar. O realismo conformado da viúva chega a assustar. A situação não mais permite esperanças. Mas, apesar da situação desesperadora, esta viúva ainda é capaz de realizar um gesto inesperado.
Recém chegara à cidade de Sarepta um profeta do povo de Israel chamado Elias. De acordo com o texto, ele viera à cidade de Sarepta, por ordem de Deus, para encontrar-se com a viúva. Nesse encontro, o profeta Elias não foi nada gentil com a viúva estrangeira ao exigir que ela lhe trouxesse uma vasilha de água e um pedaço de pão, mesmo após tomar conhecimento da situação desesperadora da viúva. A postura de Elias chega a ser arrogante: “Primeiro faze para mim (do resto de farinha) um bolo pequeno; depois farás algo também para ti e teu filho” (v. 13). A viúva bem poderia ter desconsiderado as palavras petulantes desse estrangeiro impertinente. Mas ela não o fez. Talvez porque tivesse pena de um caminhante forasteiro que, sem dúvida, deveria estar cansado, sedento e faminto de sua jornada. Só quem conhece a necessidade tem condições de ver e compreender com generosidade e tolerância as necessidades de outros. A viúva foi e, além de oferecer água ao profeta – água, afinal, não se pode negar a ninguém –, também permite que o profeta participe de sua “última” refeição. Oferece, portanto, a um estrangeiro desconhecido a hospitalidade da sua casa e compartilha com ele o pouco que lhe resta.
Este gesto da viúva é simbólico. Em primeiro lugar, ela não expulsou o profeta, apesar de ser um estrangeiro e um estranho para ela, e apesar de tê-la tratado com arrogância. Embora se encontrasse em situação precária, ela lhe ofereceu hospitalidade. Com este seu gesto a viúva mostra ao profeta e a todos nós que a partilha solidária é a única maneira de superar as necessidades, ainda que pareçam insuperáveis. Por isso, a história termina com a constatação: “Assim comeram ele, ela e a sua família muitos dias; da panela a farinha não se acabou, e da botija o azeite não acabou.”
O gesto de solidariedade da viúva com um estrangeiro necessitado corresponde a uma das propostas éticas centrais da Bíblia. Por esse motivo, a história da viúva sem nome de Sarepta foi preservada pela tradição. Ela antecipa o ensinamento de Jesus aos discípulos ao pedir que eles dividam com o povo faminto os seus pães e peixes, ainda que sejam poucos. E onde houver partilha solidária, nunca haverá penúria; pelo contrário, sempre haverá fartura.
(Nelson Kilpp é pastor da IECLB- especialista em AT. Texto cedido pelo autor, publicado na Revista Novo Olhar Número 23 - Editora Sinodal)
Nenhum comentário:
Postar um comentário